Wednesday, October 02, 2024

O 20 anivercenário - 20 anos a aprumar barcos

 


A celebração do 20º AniverCenário, vocábulo que se apoderou do evento comemorativo do aniversário da nossa associação, decorreu no dia 18 de Maio, um dia muito bom para um passeio à vela, na Ria, pois o vento também colaborou quer em força, quer em direção.

Esta vigésima edição de um evento que explora temáticas transversais ao mundo da vela e dos barcos, foi muito especial porque teve em consideração o que permanece através do Tempo e que de facto interessa, as verdadeiras amizades, os momentos que agregam e criam cumplicidades, as pessoas que nunca se esquecem.

Mesmo quando é intermitente, por divergências de caminhos de vida, a verdadeira amizade nunca se esvai no esquecimento da repetição dos dias. No momento certo irrompe, retoma as conversas e os temas de outrora, incide sobre temas atuais, recuperando para a luz de agora o que fomos e o que somos. É como se o tempo de facto voltasse ao tempo dos “pássaros azuis, no alto da madrugada…” cujos frutos deram flor e, em voo circundante, nos tocam ainda com o seu aroma inconfundível, reconhecível, familiar.

Neste 20º Anivercenário resolvemos com a antecedência necessária, convidar o escritor e editor Rui Couceiro para uma tertúlia na nossa sede no cais do Puxadouro. O Rui, autor das obras “Baiôa sem data para Morrer” e “Morro da Pena Ventosa”, entre muitos outros escritos em jornais e revistas, promove a leitura enquanto editor,e faz desta opção uma verdadeira missão para vida. Mas sobretudo, nutre pela vida uma curiosidade e um sentido de descoberta que nos estimula e lembra que viver é o que mais interessa.



Neste dia 18 de Maio, pela hora de almoço, combinámos um encontro na praia do Areínho, onde embarcaríamos rumo ao Puxadouro, a bordo dos pequenos veleiros de vela ligeira, dois Vougas, um Andorinha e um “Sunfast 18”. No Bar do Areínho encontrámos um grupo de novos e velhos amigos, que já saboreavam o momento de espera dos barcos... Mas não partimos sem antes saborearmos  uns rojões de ali perto, da “Flor da Ria”, que nos prepararam para a viagem entre o Areínho e o Cais do Puxadouro, a nossa sede.

Partimos com vento mareiro, rodando para noroeste, no vouga “Calipso”, acompanhados pelo "Aventura" e pelo "BordoBom" e passadas duas horas estávamos a atracar no cais, onde já nos esperavam alguns convidados e amigos, além de outras pessoas menos frequentadoras da CENARIO,  admiradores e admiradoras que fizeram questão em ver ouvir e interpretar, na oratória límpida, acertiva e fundamentada do Rui, uma transversalidade de tons que ecoavam por entre as madeiras em redor. A Cenário experimentou um momento de tertúlia literária, condimentada por intervenções do público presente, fazendo lembrar outros momentos como o da poesia dita por João Gesta e Benedict Houard, Pedro Lamares e Abreu Freire, e outros que outrora, também festejaram anivercenários connosco.

Esteve presente a Junta de freguesia de Válega ( obrigado Raul) que nos ajudou no bolo e nas velas, e após um animado lanche coletivo, voltámos ao trabalho dos barcos, esses exigentes "objetos de prazer". Para mais um ano que recomeça...







Wednesday, September 18, 2024

A 18ª Regata CENÁRIO, Clássicos da Vela Ligeira.


 O Programa


A 18ª Regata Cenário, Classicos da vela Ligeira, vai ter lugar a 28 e 29 de setembro.

Esta edição conta com a colaborção da Nado- Náutica Desportiva Ovarense e ANT, Associação Náutica da Torreira, clubes parceiros que regularmente colaboram na organização do evento. 

Já temos algumas embarcações inscritas, nomeadamente o "Celta" , o "Aventura", o "Leonor" ( Vougas), e o "Melody", ( Andorinha) , o "Narceja" ( moth) o "S. Gabriel", (Cap Corse) o "Carregal" ( Sharpie 12) , mas muitas mais se esperam.

Como tem sido tradição, esta Regata conta ainda e sempre, com a presença da Associação Nacional da classe Andorinha, com o objetivo de manter viva esta classe de vela única e peculiar no contexto da promoção da vela ligeira da Península Ibérica, a partir dos anos 30 do sec. XX.

Esta 18ª edição conta ainda com o apoio da Câmara Municipal de ovar e da CIRA- Comunidade Intermunicipal da Região de Aveiro. 


Thursday, August 08, 2024

a sulcar a Ria, Aveiro e Ovar , o mantra dos canais.

 

Olímpicos feitos, parcos meios

A sulcar a Ria, assim é (era) o mote para a exposição náutica em Aveiro, no âmbito do evento “Aveiro,  capital portuguesa da cultura”, prémio de consolação para uma outra candidatura, outra capital, a que colocava a cidade no epicentro da cultura europeia por uns breves momentos… Perdida a Europa, Aveiro conquista Portugal, instituindo aqui a capital portuguesa da cultura, neste ano de 2024.

Ovar estaria representado nesta iniciativa da Câmara Municipal de Aveiro, uma exposição de embarcações típicas da região de Aveiro, com embarcações da naútica de recreio, diverso modo de encarar a Ria como pátria de embarcações, para além do icónico moliceiro, da elegante bateira, ou do colossal mercantel.

Tema inédito, o da naútica de recreio entre as embarcações tradicionais, novo paradigma, experimentado e exposto quando do 1º Congresso das Embarcações Tradicionais, organizado pela Associação dos Amigos da Ria e do barco moliceiro, e pela CMA, já lá vão mais de duas décadas.

Mesmo que Ovar se tenha afirmado desde as muitas Idades Médias, como importantíssimo porto de pesca, em cujos areais e lagoas recônditas nasceram e nasciam varinas e vareiros, ovarinos e varinos, o pré-câmbrico da nossa identidade, as embarcações necessárias ás artes de pesca, que iam evoluindo conforme evoluia a necessidade de mais pescado e mais sal, culminando o processo no estabelecimento das indústrias da conserva da sardinha, o Mijoule do nosso contentamento, essas embarcações que sulcavam a Ria e o Mar pescando ou transportando a sardinha e o sal, estariam desaparecidas dos nossos areais mas não de outros, que as adotaram também como suas, nunca sabendo ao certo se das mesmas espécies se tratavam, pois destas primordiais embarcações não existem quaisquer genuínos exemplares ou registos.

As brumas do tempo, o declinar das atividades da pesca artesanal e a própria natureza da atividade, de beira mar e de beira ria, condenavam as embarcações ao rápido desaparecimento se abandonadas ao tempo, ao sol e à chuva, o que aconteceu um pouco por toda a costa portuguesa, ao longo do sec. XX e à medida que ia evoluindo a nossa relação económica com o mar, os rios e a navegabilidade.

Mas o lamento ao desaparecido património náutico tradicional de Ovar por enquanto não se repete quando nos referimos ao património náutico de recreio.

A cenário surge (em 2004)  precisamente para esse fim, para preservar barcos, aqueles que se foram desenvolvendo para as atividades do desporto e do lazer no território aquamórfico da ria de Aveiro, e que teve mais uma vez, Ovar como epicentro desse desenvolvimento.

Portanto, e por tão pouco, fomos contactados pela Câmara de Ovar para estarmos presentes numa exposição de embarcações em Aveiro a ter lugar no canal central junto ao Rossio, agora moderno e com uma frequência diversa, por onde passam milhares de turistas nos moliçários desta industria,  com embarcações representando Ovar neste contexto de embarcações próprias da Ria de Aveiro, que sulcavam (e ainda sulcam) a Ria e que protagonizaram o surgimento de uma nova função, um novo “modus vivendi”, as regatas, o pequeno cruzeiro, ria abaixo, ria acima, do Carregal à Costa Nova e por vezes, até Àgueda.

Desde logo escolhemos as embarcações que melhor representam, em nosso entender, a realidade ovarense no que diz respeito á popularização e usufruto da Ria apartir de meados da década de 40. Andorinhas e Vougas, as embarcações mais emblemáticas deste processo evolutivo que resultou na criação da SNADO, e na organização de provas de vela oficiais de âmbito nacional.

Fizemos obras de manutenção na Melody, Andorinha de 1947, no “Aventura”, vouga brigada naval de 1959, e ficámos responsáveis por um Vouga de Cruzeiro, ou de Ovar, o “Vouga” que pertenceu a Alfredo Alves Arroz e José Evaristo Pinto, colocando-o a navegar e transportando-o para Aveiro, no curto espaço de um mês, terminando um processo de “hibernação” desta bela embarcação que esteve guardada e preservada numa garagem durante…. 20 anos. E que tarefa! O “Vouga” apresentava espaços entre o tabuado de meio centímetro,  a caixa do patilhão assustava qualquer um que se atrevesse a prognosticar sobre a real estanqueicidade da mesma… e tudo era novidade no que diz respeito a mastro, palamentas e afins.


Para retirar o mastro do seu berço, a garagem de barcos no carregal, típicas e únicas construções de beira ria, tivemos a ajuda do sr. Salviano que, acabado de chegar da pesca aos chocos, se aventurou comigo garagem adentro, soltando e transportanto na sua bateira, o mastro para o exterior, para a luz. Na "garagem" estavam o Mário e o João N Branco, que manobravam os cabos e os ferrolhos do portão e da grade em guilhotina... segredos e invenções que fazem lembrar a entrada num espaço de descobertas arqueológicas, Indiana Jonas de um templo perdido, na descoberta de um tempo novo.  

A “Melody” já conhecia o “caminho” para o Rossio de Aveiro,  mas pelo canal de S. Jacinto, viagem realizada em 2003, e cujo relato foi publicado na revista “Patrimónios” da ADERAV. O “Vouga” iria voltar ás águas labirínticas do sul nascente da Ria, um regresso emocionante como se verá, e o “Aventura” juntar-se-ia á frota dos Vougas da Costa Nova, representando Ílhavo e Ovar e o mundo náutico dos Vougas que, sendo sem dúvida de Ílhavo, representam sobretudo o mundo náutico-desporivo português popularizado a partir de meados dos anos 30 através das políticas do Estado Novo, “Vamos ao Mar”.

 E fomos, não ao mar mas à Ria, rumo a Aveiro, no dia 2 de Agosto de 2024, o Vouga e o Melody, eu e o Tiago, logo pela manhã.

Prevista hora de partida, 9 horas. Hora real de partida, 10.30. 

Percalços de última hora, óleo na vela do motor de 5 HP Suzuky, necessário para nos colocar no bom caminho, rebocando a Melody… pouca potencia de motor logo se vê, mas com vento favorável e a ajuda de um estai…

Consequência; a chegada a Aveiro no pico da maré estava comprometida, o que me fazia temer ainda mais a corrente da vazante na calle de Aveiro.

Mas partimos, não sem termos encalhado as embarcações logo na saída da Marina do Carregal, obrigando à necessária “terapia do lodo”, muito boa para a pele, dizem, e,  na atracagem no quebra mar depois de nos safarmos dos lodos, um mergulho inesperado do Tiago, que falhou o salto ao atracar. O duche matinal, mas com água da Ria.

Motores , "encalhanço", nada de novo portanto, se excetuarmos o duche tardio do Tiago.

 

Pelo canal de navegação, que estava bem vizível na maré baixa e a subir, chegámos à ponte da Varela com vento fresco. Reabastecer o motor, lançar ferro. Partir novamente. Nada fácil. O vento de norte, a corrente de sul, as embarcações baralhadas com as forças contraditórias, o ferro unhou no lodo, foi um sarilho para o libertar, o Tiago magoou a lombar… passámos a ponte, rumo à Béstida optando pela passagem nascente, sempre observando os baixios, a água cada vez mais límpida e transparente. Decidimos subir o estai mais pequeno (tormentin), que se revelou muito eficaz, no consumo e na poupança do motor, e na velocidade.  Atracámos no cais dos moliceiros no  Bico da Murtosa, após um largo bem mareado, eram 14 horas, para fazermos o ponto da situação e confirmar o rumo a seguir.

Após umas conversas com mergulhadores e mariscadores locais decidimos pelo rumo em frente á Ribeira de Pardelhas, mas foi uma má opção, o vento crescia e o canal não era visível, nem marcas que nos apontassem o rumo, quase encalhámos numa situação a sotavento, baixio quase fatal. Manobrar com um motor de fraca potência contra o vento e com uma vela a bater, rebocando um Andorinha, enfim, por pouco tempo , e após nos libertarmos de um outro baixio, em largo, safámo-nos!

 

Retorno ao cais do bico, optando pelo rumo a Nascente, pelo canal que sai em frente ao Chegado, canal de onde surgem os veleiros do Sul, ANGE e CNBB, que participam no encontro de Veleiros organizado pela Junta de Salreu. Já os vi progredirem por ali… e é sem dúvida um percurso mais abrigado. A maré estava alta. E entramos no canal , bem visível, que progredia sinuoso em direção ao rio novo do Príncipe, a julgar pelas arvores ao longe e ainda mais ao longe o marcante e referencial edifício da Segurança Social surgia por entre a luz difusa dos juncais. Sabia que teríamos que rumar mais a sul/poente, mas o canal progredia teimoso rumo a nascente. Algo estava mal eram paisagens e águas desconhecidas quer para mim quer para o Tiago. Tentámos um pequeno canal onde pontuava um abrigo em instabilidade perigosa, mas não seria por ali. Continuámos. Seriam umas 15 horas e em Aveiro uma comitiva de fotógrafos e jornalistas esperavam-nos, comitiva liderada pela dra Sónia, Chefe de divisão da Cultura da CMA. O telemóvel não tinha rede e não conseguia contactar aqueles que nos esperavam, não conseguia a localização no google maps, única forma de saber da nossa localização e do caminho a seguir.

Restava a memória e a intuição. O Tiago começava a ficar impaciente e duvidoso do sucesso da viagem. Eu também. Continuámos, era seguro que navegávamos na antiga foz do Vouga, e esperava encontrar o canal do Rio Novo do Príncipe. Ali ao longe movimentos de terras , algumas máquinas, lembrei-me das obras da estrada dique… e ao virar um cabeço, uma barreira de terra um talude, fim de linha. Voltar para trás. O canal era profundo mas não tinha continuidade. Um aspeto que se deve evitar,  este de cortar canais navegáveis e que enriquecem as possibilidades de percursos, uma das riquezas da Ria de outrora era a possibilidade de subir o Vouga, e o nosso “Vouga”, a embarcação que nos transportava, já teria percorrido aqueles labirintos.  Mas mesmo ela já não os reconhecia tudo estava diferente, o tempo constrói memórias que já não são o que foram e os espaços e as paisagens são outros. Estava perdida. E nós também. 

O Tiago afirmava que deveríamos regressar ao cais do Bico e continuar viagem no dia seguinte. Eu concordava, contrariado, mas a realidade assim aconselhava. Voltámos, e de novo a navegar contra o Vento, a vela a bater… passámos novamente pelo canal com o abrigo em plano inclinado, e decidi fazer mais uma tentativa. Era por ali… e fomos, primeiro um canal estreito 4 metros, estreito e sinuoso, mais à frente um largo… aberto, o vento atirou-nos contra a margem, o motor em marcha à ré tirou-nos dali, mas no meandro seguinte não conseguimos evitar mais um "encalhanço", não num baixio mas numa mota com diversos tipos de vegetação, o que não ajudava à manobra de virar as embarcações a vento… nada fácil. E fomos à água, empurrando e virando a proa ao vento, uma, duas tentativas, e nada. Na terceira tentativa, com o motor em marcha à ré e uma quebra na intensidade do vento lá nos safámos mais uma vez, e progredimos uns bons metros em marcha à ré esperando encontrar um rumo em direção a Sul/poente, mas uns tufos de junco aflorando á tona da água aconselhavam o retorno ao canal de onde vínhamos e assim foi. A intensidade das manobras e a eminência de uma situação irreversível, pelo menos enquanto não abrandasse o vento, deixou marcas na tripulação, que agora era unânime na decisão do regresso ao cais do Bico da Murtosa.

Assim foi. Rumo a norte, progredíamos lentos e frustrados, o que deveras me incomodava, pois se o objetivo era chegar a Aveiro,  estávamos no rumo oposto. Olhei para a altura do sol, ainda tínhamos muita luz pela frente, o combustível estava pela metade. O Vento continuava rijo. Lentamente a decisão de rumar a Aveiro, pela terceira vez, ganhava força no meu íntimo e apoderava-se da minha vontade. Tiago dizia e repetia que, sem sabermos do caminho certo e com pouco combustível deveríamos atracar quanto antes. Navegávamos em águas pouco agitadas pelo vento, apesar deste se sentir muito forte . Estariam no mínimo uns 20 nós de rajada. Ao longe uns tipos do Kite-surf progrediam em grande estilo por entre os juncais, e ao virar uma curva do canal, surge uma passagem para poente!

Era claro, e a presença dos Kites confirmava a continuidade deste canal. Tomei a decisão de rumar a Sul, sem consultar o Tiago, apenas lhe disse, “Vamos experimentar este canal, uma última tentativa, parece que encontrámos o estreito de Magalhães.”

E era mesmo esse o rumo, não o tínhamos vislumbrado quando por ali passámos uma hora antes porque estávamos fixados na direção Sul, e esta passagem dirige-se por breve distância em direção a Noroeste, estava escondida do anterior enfiamento visual, e agora que nos dirigíamos a norte, tornava-se bem visível e claro que era aquele o rumo certo. E decidi apontar a proa do Vouga na direção dos velozes praticantes de Kite-surf enquanto o Tiago se impacientava ainda mais.

Progredimos umas boas dezenas de metros e afinal tão perto tínhamos estado daquele canal, via-se a BB a casa-abrigo em ruínas…


Os praticantes de Kite aproximavam-se, estudando o nosso rumo, nós o deles… Eram três e uma embarcação de apoio, progrediam em diferentes direções em boa velocidade, evitando os juncos e com uma capacidade de manobra que me surpreendia. O Tiago repetia que não teríamos combustível para chegar a Aveiro , eu contrariava os seus receios, desenrolámos de novo a pequena vela de estai, o rumo era definitivamente aquele, pelo menos durante uma milha seria assim. Aveiro já se ia notando com mais clareza. Conquistámos alguma tranquilidade, resolvi consultar o telemóvel e ver as horas. 16.15. O estai e o pequeno motor davam a sensação de velocidade tranquilizadora, patilhão a meio, fazíamos um largo evitando aproximarmo-nos em demasia dos cabeços que contornávamos sempre com receio de um inesperado baixio ou obstáculo submerso.

Decidi olhar o telemóvel, chamadas não atendidas… a comitiva de Aveiro já se tinha ausentado, as vicissitudes da navegação não permitiram a devida atenção a quem nos aguardava. Impunha-se uma explicação.


 As duas embarcações progrediam agora em bom andamento, o estai folgando a máquina, o vento dando tensão nos brandais e na escota, o Vouga velejava após longos anos de jejum, estava a reconhecer este modo de estar, o seu modo de estar natural, flutuando e velejando, embora com as limitações que se recomendavam e impunham numa embarcação com mais de 60 anos e que no espaço de um mês passou de uma garagem onde descansou 20 anos, para as água livres da Ria.

 A luz prateava a água poente em reflexos cintilantes indicando a Barra ao longe, o mar aberto, mas agora o nosso rumo seria outro, a cidade dos canais, a Veneza portuguesa, mas as dúvidas do rumo a seguir regressaram do topo do mastro para onde as tinha remetido anteriormente. Voltavam. No entanto as referências em terra iam sendo descodificadas, os armazéns da área Portuária, as construções e as ilhas agora redescobertas para as atividades lúdicas e turísticas, as salinas submersas, a transformação radical da paisagem, a erosão das margens… onde as havia.

 

 Duas embarcações na faina, ( qual o rumo para Aveiro? E apontaram a direção que obviamente seguimos, aproximando-nos de novo de canaviais ou seja vegetação e obstáculos que teríamos que contornar, descobrindo os percursos labirínticos mais uma vez, mas com mais certezas mais convicção. Surge no virar de um cabeço uma ilha habitada, construção precária mas permanente, uma família habitava aquela pequena ilha, procuramos informação, confirmava-se o rumo, um cão ladrava, feroz, treinado para afugentar navegantes e passeantes indesejados… seguíamos as antigas construções dos marnotos, abrigos da atividade do sal, salinas agora submersas, uma Ria que parece imensa para quem a percorre lentamente, exitando, procurando o caminho sem piloto, sem conhecenças seguras. Progredíamos, será por aqui, por ali, surgem ao longe os mastros das embarcações do Clube Aveirense de vela de Cruzeiro, o Avela…

 

A cidade aproximava-se a olhos vistos. Estávamos no canal principal, atracar era a manobra mais desejada e o cais aproximava-se. Virar a proa a vento enrolar a vela, mas eis que o vento rijo e a corrente nos atirou de um modo algo descontrolado contra as defensas da muralha, que não falhámos por uma unha negra… dali em diante tínhamos as pedras o vento e a corrente tudo a convergir para um mesmo ponto, o desastre. O que não ocorreu.

Chegámos a Aveiro seriam umas 18 e 45.

 

Tuesday, June 18, 2024

Décima oitava regata CENÁRIO, Clássicos da vela Ligeira.

 28 e 29 de Setembro 2024

Carregal- Praia do Areínho- Torreira.

Torreira -Cais da Tijosa- Cais do Puxadouro.


Saturday, June 15, 2024

Mais um modelo de "Vouga", mais uma necessária narrativa .

 Ainda e sempre, a família dos "Vougas", como a maioria das famílias, tem os seus elementos dissonantes, excêntricos e polémicos.

No entanto, parece-me que esta complexidade enriquece e eleva a narrativa sobre este tipo de embarcações, cujos modelos variam ao longo dos tempos e das vicissitudes históricas que compõem a evolução da vela de recreio e desportiva em Portugal.

Incontornável, é que esse evoluir não se confina apenas ao estuário do Tejo. A busca da identidade dos Vougas e a identificação dos seus elementos, gerados sobretudo na Ria de Aveiro, de Ílhavo a Ovar, conduz a uma descoberta que não é mais do que a confirmação de que o espaço Ria foi e é um território de criatividade individual e coletiva, berço de únicas, originais e belas embarcações, mas também espaço acolhedor e de diversidade adotiva, como é o caso único e notável das "Andorinhas" que se instalaram na Ria desde meados dos anos 40 do sec. XX. E se quisermos ser precisos, abrangentes e acertivos,  devemos também acrescentar a classe e dos" Sharpies 12M", cujos campeonatos Europeus por aqui realizados projetam a nossa Ria Náutica e Desportiva além fronteiras.

Neste momento, na Ria de Aveiro, existem, com evoluções e contextos desportivos diferentes, as associações de classe que definem, regulamentam e organizam (1) provas oficiais de três classes de vela ligeira "clássica" . A classe Vouga, criada em 1939/44 e refundada em 2006 -  APCV, Costa Nova,  a Classe Sharpie 12M, Instalada em Ílhavo- Porto de Aveiro, e a Classe Nacional Andorinha", ANCV, fundada em 1944 no Porto e refundada em 2011/20  na CENÁRIO, em Ovar.

É pois relevante fortalecer e acentuar esta diversidade, encontrar o que nos distingue e deferencia, e portanto que nos une, construindo uma identidade coletiva assente neste território singular, a Ria de Aveiro.

Por estas e talvez por outras razões de índole mais pessoal, não me detenho nestas escrituras e nestas buscas e registos dos barcos que vou encontrando ou observando, identificando aqui e ali histórias e vivências peculiares.

Portanto, aqui vai mais um Modelo de "Vouga.".. sem querer dizer que todos são iguais.

 

 "Narceja" - Nove metros de comprimento, construído em 1952, em Ovar, de Eduardo Pinto.

Desenho do plano lateral do casco, Helder Ventura, 2023.

Esta embarcação, e o Joínha, são os maiores dos "Vougas de Cruzeiro" ou "Vougas cabinados" a que chamo Vougas de Ovar, chamados e referidos sempre como Vougas, pois naqueles tempos em que foram construidos assim eram registados nos documentos oficiais da Brigada Naval... Então, todos os barcos de casco redondo, acima de seis metros, com um mastro e duas velas, com ou sem cabine, eram "VOUGAS".

São um tipo especial de Vougas, e, para defender, explicar e enquadrar esta designação foi publicado na Revista "Dunas" nº 23 um trabalho com este tema; "Os Vougas de Ovar", que os curiosos e interessados poderão rebater, acrescentar, comentar.

Narceja, 1952, na Ria, entre o carregal e o Areínho.
Joínha, de Francisco Ramada, construído em 1947, por A.Ferreira Gordinho. Foto muito provavelmente de 1950, ainda com vela de" carangueja"


"Vouga", de José Evaristo Pinto e Alfredo Alves "Arroz". E a água da Ria transparente, fundo arenoso e sem corrente significativa, perto de S. Jacinto.

Saturday, April 27, 2024

Vougas e não Vougas, as Linhas Quebradas do evoluir histórico.


Acrescentando informação ao tema dos barcos denominados "Vougas", e sem querermos colocar em causa as definições e precisões das embarcações da classe de vela inscrita na Federação Portuguesa de Vela, representada pela APCV, Associação Portuguesa da Classe Vouga, assumimos com clareza que estas embarcações de linhas quebradas, fazem parte da família dos Vougas, embarcações que tiveram origem na Ria de Aveiro.

Segundo informações recentemente recolhidas, podemos identificar sete embarcações deste sub-grupo de Vougas, sendo que o primeiro destes barcos denominado "Rio Vouga" foi construído no início dos anos 50 por António Ferreira Gordinho, exatamente dez anos após a construção do famoso "Zinda", o barco mais antigo da frota dos Vougas da classe de vela "oficial" .  

Salvo novas e melhores informações, destas embarcações de "linhas quebradas" conhecemos os seguintes exemplares, identificados assim, em modo de "apontamentos de memória", mas que posteriormente serão mais assertivamente identificados;

- "Rio Vouga", de António Gordinho

-"Gilda", do Cmte Telles

-"Picado", do Sr. Picado da Vista alegre

-"Um outro exemplar, do eng Gualter"

-"OK" do capitão Francisco Mendes

-"Anita" ( posteriormente "beach Boy" e agora "Leonor") de Guilherme Teiga

- "O barco do capitão Silva"

Como já foi referido em publicação anterior, desde finais de 2023 temos vindo a restaurar um destes "Vougas", atualmente denominado "Leonor", cujos trabalhos terminaram em Maio e que está neste momento na Costa Nova, sedento, a aguardar o regresso à água.

Temos portanto a possibilidade de mais duas velas na Ria, mais um clássico da vela ligeira, único e elegante, e possivelmente irá participar na Regata de clássicos da vela ligeira, organizada pela CENÁRIO , que se irá realizar no final do próximo mês de Setembro. 



















Friday, March 01, 2024

Projeto "Beach Boy" - Os Vougas de "linhas quebradas"


Para que o ciclo familiar dos Vougas se complete é necessário referir este modelo de embarcação que se desenvolveu nas águas da Ria entre a Costa Nova e as "Gafanhas": Os "VOUGAS DE LINHAS QUEBRADAS".
 Talvez por maior facilidade construtiva, talvez porque estávamos no advento da construção em contraplacado, que dominava entre a vela ligeira e os pequenos cruzeiros, material que facilitava a construção dita "amadora", idealizaram-se e construíram-se estes "Vougas", embarcações em madeira, um mastro, duas velas, com seis a seis metros e dez de comprimento, boca máxima entre 1,75 e 1,85 metros, pontal a rondar os 60 centímetros, os parâmetros dos Vougas de António Gordinho, se acrescentarmos um pontal muito curto, o que de facto acontece.
Caracterizam-se e diferenciam-se dos Vougas da classe de vela,  por terem o fundo e o costado em planos distintos, e o corte transversal resultar numa linha quebrada... pelo que são conhecidos como vougas de linhas quebradas. 
Vagamente parecidos com os "Star", um olhar menos atento não os distingue dos Vougas de casco redondo, sobretudo a navegar, pois as suas proporções são de facto semelhantes e o aparelho vélico praticamente igual aos vougas ditos" clássicos". 
Destas embarcações construíram-se uma meia dúzia, sendo o mais famoso o barco de Mestre António Gordinho, o "Rio Vouga". 

Em meados de setembro chegou à cenário o "Beach Boy" recentemente adquirido a António Malaquias, que presidiu ao Clube de vela da Costa Nova. O seu novo proprietário O sr. G. Teiga, determinou um restauro de acordo com a originalidade do barco, recuperando na medida do possível o encanto da madeira e a longevidade que estes objetos de culto merecem. Quis a fortuna que o barco tivesse sempre abrigo e cuidados, pelo que as madeiras ainda se encontravam firmes no seu sítio e nas suas formas, apesar da passagem do tempo e do calor estival da Ria deixarem marcas bem visíveis.
 
Ainda não está completo este projeto, mas temos já obra para se ver, e a Primavera está à porta. 
Estamos também a fazer o desenho do barco, pelo que teremos mais notícias, com os rigores técnicos que o levantamento manual permite e com as novas informações que nos vão chegando.

Mais património náutico que estamos a desvendar, a recuperar, a divulgar. 

O dia da chegada ao Puxadouro...


Os primeiros trabalhos após a retirada dos "poleames"...
Ripado em mogno e tóla sobre contraplacado.


As linhas "quebradas" são bem visíveis.





a primeira camada de resina, após a recuperação de mazelas no ripado e no verdugo.