Friday, November 24, 2017

Objetos, coisas e a recusa do vazio.




O olhar atualizado que se propõe sobre os objetos no contexto das políticas patrimoniais tem como propulsor a ideia de biografia dos objetos. O conceito de biografia, sistematizado de forma pioneira por Kopytoff (2008), abre espaço para se pensar numa questão fundamental no campo do património: os objetos devem ser interpretados em ação, mimetizados nos contextos sociais e temporais em que circulam:
Molinete embarcação "S. Gabriel"
Galhardete da "Andorinha" OVAR de Antero f. Malaquias. ( anos 40)

Ao fazer a biografia de uma coisa, far-se-iam perguntas similares às que se fazem às pessoas: Quais são, sociologicamente, as possibilidades biográficas inerentes a esse “status”, e à época e à cultura, e como se concretizam essas possibilidades? De onde vem a coisa, e quem a fabricou? Qual foi a sua carreira até aqui, e qual é a carreira que as pessoas consideram ideal para esse tipo de coisa? Quais são as “idades” ou fases da “vida” reconhecidas de uma coisa, e quais são os mercados culturais para elas? Como mudam os usos da coisa conforme ela fica mais velha, e o que lhe acontece quando a sua utilidade chega ao fim? (Kopytoff 2008, 92)
motor Volvo Penta C2 
A perspetiva biográfica dos bens patrimoniais, e dos seus movimentos, dentro e fora das fronteiras institucionais – ou, melhor dizendo, dos seus ciclos de vida – dão sentido à ideia de que os objetos são valorizados na sua interação social. Esta perspetiva coloca-nos, de forma contundente, frente a uma questão nevrálgica dentro do campo epistemológico dos museus: o valor dos objetos não é monolítico ou exatamente objetivo; pelo contrário, o valor potencial dos patrimónios só ganha contorno, peso e forma fora dos limites objetivos da sua materialidade.
Placa identificativa do construtor ( embarcação "NUT")
O texto vem daqui:

https://midas.revues.org/1286

Sunday, November 05, 2017

"PIPOCAS" - a lancha.


Esta lancha, a "PIPOCAS" foi doada à CENÁRIO. Está um bocadito deteriorada, mas merece toda a nossa estima. Construída em Ovar no estaleiro de Horácio Lopes "Da melra" entre 1965 e 1967.
Este Mestre Horácio era personagem de carácter forte, princípios assentes numa individualidade inquebrável. Instruído pelas ondas do mar de Ovar e inspirado pelas águas da Ria, intérprete rigoroso do génio Vareiro, ou Ovarense se preferirem, lutador em época de vida difícil, pautada pela escassez de meios, nas dificuldades de adaptação ás novas tecnologias, diga-se mecanização e industrialização para o mercado decadente da industria da carpintaria naval de recreio de meados dos anos 70 ( sec XX). Conheci-o de relance, era eu muito novo, fugazmente visitei a sua garagem/estaleiro ali na AV. da Régua, a caminho do Furadouro com um amigo, seu familiar, sem perceber o alcance da sua arte nem a grandeza do seu génio. Através de um ilustre Valegense, que nos doou a lancha, e de um seu amigo, temos vindo a perceber melhor este personagem do panteão náutico ovarense.
Mas que lancha é esta? Bem a "Pipocas" originalmente tinha dois motores de 50 CV e foi construída para um industrial do Porto, de nome Barros. Adquirida pelo Dr. Jaime Duarte, natural de Valdágua, foi palco de inúmeros momentos de confraternização e alegria entre Ovar e S. Jacinto, com a sua família, com amigos, que se instalavam preferencialmente no sítio das "piscinas" ali nos areais desaparecidos junto à Ponte da Varela. Os pormenores construtivos e o design de alguns elementos, como o habitáculo, os beliches ou o banco rebatível para o timoneiro, refletem a qualidade e a criatividade do seu autor.
Resta-nos, como coletividade cujos objetivos são sobretudo de índole museológica, estar à altura da tarefa de recuperar esta lancha.
Para já estamos a retomar os trabalhos na "Marilinda" para depois nos dedicarmos à Pipocas". Estas tarefas, cada vez mais, ultrapassam as capacidades da CENÁRIO, pelo que necessitamos de todo o tipo de ajuda. Material, manual e espiritual. Fica aqui um apelo, a todos os que simpatizam com o nosso projeto, pois mesmo com ajudas institucionais, os projetos estão a ficar cada vez mais sérios. Aguardamos as desejáveis parcerias com a CIRA, para que conjuntamente com Ovar se encontrem caminhos para a patrimonialização destes objetos de enorme valor pedagógico, social e cultural. Áh! pois, e turístico. Também.

A "Pipocas" na Av. da Régua, junto ao local onde foi construída.