Tuesday, November 24, 2009

Os "snipes" agora já são três




















Aqui podemos ver o estado do snipe do Benjamim. Uma surpresa de tarefas imprevistas, uma quantidade de pormenores reforçados, uma estética no convés que não existia... Brevemente terá convés em mogno , bordejado por kâmbala.































Este é o snipe do Jorge, outro estado de conservação, outra filosofia de trabalho. Aqui tratam-se apenas de detalhes e acabamentos.


Tuesday, November 17, 2009

"Brisa"

Em 2003 tive conhecimento, por um amigo de longa data, que numa marina do Douro, em Gondomar, junto a Crestuma-Lever se encontrava um barco da classe "Dragão", em madeira, construido de modo clássico, e a necessitar muita manutenção. Passados uns tempos, eu diria alguns meses, fiz um desvio numa viagem ao Porto, e cheguei até Crestuma…
Lá andei, apreciando o local, a paisagem e os barcos estacionados na marinha, mas barcos de madeira ali não existiam . Só lanchas-iates de grandes cilindradas, e "Dragões", nem vê-los . Procurei informação mas não existia ninguém por perto, até que insistindo, encontrei um frequentador das manutenções marinheiras eventuais, que me diz que sim que ali existia um barco desses e que numa das cheias do Douro esse barco tinha sofrido muito e que o dono o tinha retirado dali, e que poderia estar em casa dele e que até muito provavelmente o venderia. Indicada a casa e o caminho para lá chegar, ali perto, junto à àgua, com uma localização previlegiada, eis que encontro o sítio. Ao aproximar-me da casa, qual o meu espanto, numa vereda descendente encostado a um muro antigo de granito, sobre um atrelado de cais cujo suporte lateral já cedera, vejo uma popa inconfundível a espreitar sob um oleado azul coberto de folhas de diferentes espécies de árvores. Era um "Dragão", em cuja pôpa se podia ler a palavra "Brisa" e por baixo em letras mais miúdas: Leixões.

O barco como se vê estava e está em muito mau estado. Hesitei entre considerar comprà-lo ou sair dali o mais rápido possível, pois já sabia o trabalhão que a recuperação iria dar. Sondando com o canivete, verifiquei que as cavernas ( balizas) eram de carvalho, inteiras, e essa madeira ainda dava sinais de resistência. Quanto ao tabuado do casco... nem é bom descrever o que acontecia quando forçava a entrada da lâmina do canivete. Que madeira seria aquela?Que madeira seria aquela, de baixíssima densidade? Ainda hoje não sei a resposta. Tratado o negócio e a questão do transporte, que se revelaria de grande risco, lá chegou o "Brisa" à CENARIO, e colocá-lo dentro foi por si só uma autêntica prova de perícia para o condutor do camião que operava também uma grua a este acoplada…
O "Brisa" lá está desde Março de 2004, aguardando um projecto de recuperação e desde então tenho procurado saber da história deste barco. O registo mais antigo que me foi fornecido referia-se ao registo da embarcação na Capitania do Porto de Cascais, a 17 de Novembro de 1980 em nome de Jean Philipe Sauthier, pessoa que tentei em vão localizar. Esse registo mencionava ainda o nome do construtor: William E. Bertren, mas ignorava a data e local de construção da embarcação que sabíamos ser muito anterior a 1980. O tempo foi passando, e o projecto do "Brisa" vai sendo colocado em segundas prioridades, apesar de com a ajuda de António Alçada termos elaborado uma estimativa rigorosa de custos para a sua recuperação, com o objectivo de encontrarmos patrocinadores interessados em partilhar o projecto.
Entretanto outras embarcações vão sendo alvo da actividade da Cenário e algum saber se vai adquirindo…

E assim o tempo ia passando até que há cerca de seis ou sete meses uma reunião do Conselho de Classes de Vela na F.P.V me leva a Lisboa, na qualidade de presidente da direcção da APCV, e logo me lembrei de falar com o representante da Classe Dragão que decerto ali iria estar. A sede de Federação Portuguesa de Vela situa-se praticamente nas traseiras da Associação Naval de Lisboa, (localização pouco nobre em nosso entender), e o meio náutico que por ali se vive permite alguns tipos de relacionamento pelo que, sendo ainda cedo para a reunião, me lembrei de perguntar se alguém conhecia um senhor chamado Jean Philipe Sauthier… E de entre as três pessoas presentes, encontrei um conhecido daquela pessoa, que me forneceu o seu número de telefone.

No dia seguinte que era Sábado, aí pelas 14 horas telefonei a Jean Philipe Sauthier que me atendeu, estando em plena regata ao largo de Cascais… A conversa, de tom cordial, revelou que o "Brisa teria sido construído na Dinamarca, em meados de 50, mas não se conhecia o construtor. Devo ainda referir o seu entusiasmo pelas recordações que a embarcação lhe proporcionou e á sua família, durante os anos 80, na baía de Cascais. O Sr. Sauthier disponibilizou-se para me enviar uns documentos sobre o "Brisa", o que lhe agradeci, ficando a aguardar resposta. Mas, não mais tive notícia do Sr. Sauthier que decerto se terá esquecido da conversa havida em plena regata…

Passados uns meses, nova reunião do Conselho de Classes de vela me leva a Lisboa e deste modo no final da reunião, solicitei um momento de conversa ao Dr. Mário Quina, presidente da Associação da Classe Dragão, explicando o meu propósito, recolher informação sobre um "Dragão" que pretendia eventualmente, recuperar. "E qual o nº de vela?" Com embaraço, respondi que não me lembrava. (O que só prova que nunca subi aquela vela em barco algum). Já com a informação sobre o nº de vela , P 12, Mário Quina passados uns dias enviou-me um "mail" onde solicitava a um seu amigo, Carlos Ribeiro Ferreira, entusiasta da história dos "Dragões" informação sobre este barco.

Entretanto, estimulado pela amabilidade e disponibilidade do Presidente da Classe, voltei a telefonar a Jean Philipe Sauthier, encontrando-o momentaneamente no estrangeiro. Recordando-se da nossa conversa logo trocámos endereços de e-mail e assim, passados dois dias, recebi cópias dos registos antigos do "Brisa" que guardei, ficando uma análise atenta para depois. Notei no entanto que existia um registo ainda mais antigo em nome de Carlos Fernando Pereira Gonçalves de uma embarcação denominada "SNUDE", mas não dei muita atenção pois com mais tempo iria analisar melhor os documentos.

Ora passadas umas horas, recebi um mail do Sr. Carlos Ribeiro Ferreira, referindo que o Dragão P 12 era chamado "SNUDE" e fora adquirido na Dinamarca, por volta de 1953, o que confirmava as informações anteriores. O entusiasmo agora era grande pois já tinha uma data concreta da sua chegada a Portugal, 1953, a primeira denominação do barco, e o seu primeiro proprietário em Portugal.

Era tempo de olhar atentamente os papéis enviados por Philipe Sauthier, e verifico que o nome do construtor tinha sido ligeiramente alterado… O primeiro registo, de 1953, refere William e Berntsen como sendo o construtor, e o registo de 1980, já como "Brisa" e em nome de J. P. Sauthier refere o construtor como sendo William E. Bertren. Só poderia ter sido um lapso de transcrição. Através do nome mais antigo, William E. Berntsen, uma rápida pesquisa no Google revela uma surpresa. William E Berntsen foi um grande velejador dinamarquês, de uma família de três irmãos velejadores, todos medalhados olímpicos, e o mais novo, Ole Berntsen campeão olímpico da classe em 1960. Mas temos mais. Para meu grande espanto, William E. Berntsen participou como timoneiro nas Olimpíadas de Helsínquia, em 1952, na Classe Dragão numa embarcação denominada… "Snude" !!! obtendo o 5º lugar entre dezassete barcos.

Assim, em vez de encontrar um construtor, encontrei um velejador e a presença do "Brisa" nas olimpíadas de Helsínquia, onde ganhou uma regata. Para saber os tempos e classificações das regatas poderá ir AQUI

Devem imaginar o meu entusiasmo e o valor que esta embarcação adquiriu com esta informação. A frota da CENARIO fica mais rica e o propósito do projecto museológico mais consistente. Agora não restam dúvidas quanto ao propósito da recuperação do "Brisa".
Carlos Ribeiro Ferreira refere ainda que em Portugal existem no máximo quatro embarcações construídas de modo "Clássico" e uma ainda faz regatas. Vamos considerar possível recuperar todos estas embarcações e que voltem um dia a navegar juntas na baía.

(A todos os que até agora ajudaram o "Brisa" a sair do esquecimento: Tozé Folha, Denis Begasse, António Alçada, Jean Philipe Sauthier, Mário Quina, Carlos Ribeiro Ferreira)