Friday, October 09, 2020

" Vela Areínho e o desvio da agulha"

 

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             O charmoso e icónico “Vela Areínho” e sua envolvência podem funcionar como uma estrutura de índole museológica, focada nas memórias e patrimónios náuticos de Ovar e da Ria de Aveiro?

            Origem e breve história do projeto “Vela Areínho”

O sítio do “Areínho” era formado por uma duna que se estendia até á água da ria em suave declive desenhando uma pequena praia em forma de baía orientada a sul.

Apartir de finais dos anos 40, a crescente utilização deste aprazível espaço natural, abrigado e sob a sombra de pinheiros, levou alguns utilizadores que ali chegavam sobretudo de barco, a improvisarem apoios de praia e por volta de meados dos anos 50 já ali funcionava uma pequena petisqueira ( tasca do António da Vareirinha)… Esta realidade incentivou a Junta de Turismo do Furadouro, através da Câmara Municipal, a projetar e construir sanitários, chuveiros, bar de apoio, esplanada, iluminação, prancha de saltos para a água, estacionamento... Simultaneamente, iniciara-se a construção do que viria a ser a estrada nacional 327, unindo Ovar a S. Jacinto. Estas obras, de carácter eminentemente moderno, foram inauguradas em 1959 e transformaram radicalmente o local que se revelou fortemente atrativo e cada vez mais frequentado.

À época, o Estado Novo através do Ministério da Economia, apostava numa política de desenvolvimento turístico a nível nacional, de que é exemplo o programa das Pousadas de Portugal.

A Pousada da Ria, no Muranzel, estaria já na lista de projetos a implementar, e a junta de Turismo de Aveiro viria a construir uma estrutura de apoio a veraneantes, as famosas "Cozinhas" já perto de S. Jacinto. Planeava-se tornar a Ria de Aveiro em um pólo de atração a nível nacional e mesmo internacional.

É pois com naturalidade que surge a possibilidade de financiamento para a construção de um equipamento de restauração e apoio a atividades náuticas na praia do Areinho, pois as infraestruturas de apoio à praia construídas nos anos 50 já não serviam para todo o tipo de públicos que a frequentavam.

Da autoria do arquiteto Cruz de Lima, e do eng. Braga da cruz, (Técnicos ao serviço da Câmara Municipal de Ovar), foi construído no leito da ria, sobre uma ilha artificial, um restaurante e estruturas de apoio resultando num belo conjunto, exemplar da arquitetura moderna na vertente que se veio a denominar de “regionalista”. É possível, pela linguagem construtiva e pela harmoniosa inserção no espaço “natural” envolvente, encontrar semelhanças com o projeto de Siza Vieira para o restaurante da “Boa Nova”, em Leça.

Inaugurado em 1969, foi denominado “Vela Areinho” e desde logo se tornou o melhor espaço de restauração de toda a região da Ria de Aveiro.



Em conjunto com a Praia do Areinho e estruturas de apoio, o restaurante Vela Areínho, a esplanada e os espaços envolventes, atraíam velejadores, veraneantes e visitantes de todo o país, nomeadamente do Porto e de Lisboa. Do Porto pela proximidade geográfica, de Lisboa, pelos fortes relacionamentos sociais, económicos e institucionais de Ovar com a capital. 

No início dos anos de 1970 construiu-se o Porto de Recreio do Carregal, ao longo da EN 327.  Sobre as dunas, entre o Carregal e o Areínho, construíam-se interessantes moradias de caráter moderno, algumas segundas habitações. A SNADO tornava-se um dos clubes náuticos mais conhecidos e respeitados no meio náutico, nomeadamente pela organização da regata mais emblemática de Ria de Aveiro, o “Cruzeiro da Ria”.

Curiosamente e respondendo a um planeamento ainda muito embrionário, estimulado por linhas estratégicas do poder central, implementavam-se equipamentos, construíam-se infraestruturas, fomentava-se o investimento, criando-se um excelente pólo de desenvolvimento. Este conjunto, Areínho, Porto de Recreio, Clube Náutico, Restaurante, Moradias, Pousada da Ria… faz lembrar, salvaguardando as escalas e o tempo, o projeto da lagoa de Pampulha em Belo Horizonte, no Brasil, ( Kubichek, Niemeyer, Negrão de Lima, Joaquim Cardozo)



            Situação atual

Nos tempos mais recentes, o restaurante Vela Areínho tem estado encerrado e sem interessados em assumir a sua exploração. Encontra-se desprovido de equipamentos e mobiliário e já sofreu atos de vandalismo que resultam em alguns sinais de degradação, devendo ser tomadas medidas de prevenção e salvaguarda do imóvel.

Os espaços exteriores também se encontram degradados e a necessitar requalificação e algumas infraestruturas nomeadamente a iluminação interior e exterior necessitam de ser intervencionadas.

No entanto, pensamos que não seria necessário um grande investimento para se retomar o seu funcionamento, tendo em vista uma nova função, como a que se propõe, proporcionando a "fusão" entre a gastronomia e a náutica, que tão bons resultado promove.

 

        Projeto museológico ? Interpretação de Território? Cozinhar a transversalidade talvez

 Pelo o seu carater construtivo, pela localização e pela sua história, fortemente relacionada com a Ria e com a Náutica de Recreio, (na memória descritiva do projeto é mencionado que o espaço está vocacionado para apoio ás atividades náuticas), pensamos que a alteração de uso para uma nova função de índole museológica, com o tema da evolução da vela desportiva, da indústria da carpintaria naval e da arte dos barcos, faz sentido e é desejável

A originalidade e a universalidade do tema, o seu carater comunitário e a relação com a identidade ovarense são fatores valorizadores do projeto, se em confronto com uma exploração de índole meramente empresarial, devolvendo o espaço á comunidade Ovarense e a todos os que percorrem a Ria e seus territórios.

A ocorrer, esta transformação deverá adaptar-se ao edifício existente, mantendo o seu caráter e a conceção espacial, e as necessárias adaptações poderão mesmo realçar e reforçar a sua originalidade arquitetónica. 

Os espaços exteriores da ilha onde se encontra implantado o edifício e toda a envolvente imediata, incluindo o espelho de água contíguo, reforçam esta possibilidade, contribuindo para a diversidade programática, para o enriquecimento do discurso museográfico e para o desenvolvimento de uma estreita relação com o território das Rias de Aveiro, através nomeadamente da navegabilidade.

O programa funcional? Já se encontra elaborado há algum tempo...

Os custos? Custa, mas não muito. 

A decisão? Dói, pois desviar a agulha é processo lento, como nas variações do campo magnético... 

Mas, lembrando Pessoa, primeiro estranha-se, depois, entranha-se.


2 Comments:

At 20:25 , Blogger Unknown said...

Excelente ideia. Força nisso. Abraço amigo.

 
At 08:10 , Blogger A.S. said...

Boa ideia. É avançar com ela. É uma clara mais valia para uma zona tão rica e emblemáticas

 

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