Friday, October 24, 2008

"Fraseologia marinhática"

Da necessidade de divulgar o riquíssimo vocabulário náutico português.
Não por uma questão poética, ou de estilo, o que opor si só bastaria, mas porque se trata de uma vertente identitária, nossa , característica genética da civilização portuguesa.




E portanto, aqui se transcreve o texto, publicado em Goa, da autoria do Capitão de Mar e Guerra A ntónio Marques Esparteiro, personagem importantíssima para a cultura náutica.
Recolhi estas informação na "Revista da Armada", nº 404. Leiam e interpretem.


“A Flâmula”
Goa, Dezembro de 1955


FRASEOLOGIA MARINHÁTICA

I
Largada do Mandovi

Por imposição de serviço teve o aviso “João de Lisboa” que subir o Mandovi e ir dar fundo ao ferro pelo través de Pangin, á babugem do cais.
De perfil elegante e marcial, limpo e bem aparelhado, o belo navio, durante vários dias recebeu a seu bordo um sem número de admiradores e atraiu ás margens do rio algumas centenas de curiosos.
Terminada a missão marcou-se a saída para Mormugão de acordo com a maré , de modo a que a água debaixo da quilha deixasse ao nauta uma certa margem de segurança na sua navegação rio abaixo.
Na manhã de 29 de Novembro, içados e metidos dentro os portalós, prolongados os paus de surriola e içadas as embarcações, começou-se a virar ao cabrestante em postos de faina geral como preliminares de saída para o mar.
Na ponte, o comandante, bom oficial de catavento, seguia atento a manobra, pronto a actuar como melhor conviesse.
Pouco depois da última manilha surdir ao lume d` água, o ferro, desunhando entrou a cacear e, em pouco tempo a amarra passou a pique , ocasião em que o comandante começou devagar a evolucionar com o navio para a saída, sem contudo mostrar os machos do leme á nobre cidade de Pangim, como velha usança da Armada de Portugal.
Ferro em cima, safo da fustalha do rio e finda a faina, lá seguiu altaneiro em demanda da boca do Mandovi com água no bico e uma brisa fagueira pelo olho.
A pouca sonda, as curvas apertadas e a curteza dos bordos, obrigou a uma série de elegantes e vistosas evoluções, , que puseram á prova a perícia de quem o dirigia.
Esta pequena travessia, na verdade, requeria uma atenção permanente ás conhecenças, cor da água, e indicações da sonda , pois, de modo algum conviria tocar no fundo.
Felizmente que no catavento pontificava alguém para quem a navegação não tinha segredos e as manobras , ainda as mais complicadas, eram executadas com serenidade imperturbável e precisão impecável.
Àgua aberta com a barra, abocou a saída e, com velocidade moderada meteu queixos ao mar.
Safo dos perigos da barra, em franquia, em elegante giração, tomou o rumo conveniente para Marmagão.
Soprava brisa fagueira, o mar era chico e, nas alturas, brilhava, por entre alguns desgarrados cirros, um sol radioso que a todos envolvia num suave e doce torpor.
O navio lá seguia imponente com a bandeira a drapejar ao vento, mostrando à proa farta bigodeira e deixando pela popa borbotões de água amansada, enquanto o seu perfil elegante subia e descia no horizonte comprido e limpo em harmonioso e doce arfar.
Lá ao longe por bombordo, começaram a lobrigar-se as marcas do porto, primeiro levemente enfumaçadas, sem contornos definidos.
O comandante, sem se fiar no porto da sua fantasia, levava a sua derrota cuidadosamente marcada, como nauta avisado.
No momento preciso, iniciou a manobra para encher as marcas do enfiamento, de modo que a evolução terminasse quando o navio fosse no eixo da barra.
Correu tudo como o excelente oficial concebera.
Percorrida a barra , lá seguiu para o surgidouro de D. Paula, em marcha rápida.
Passou uma barba safa à quadra do “Afonso de Albuquerque” aproou ao ancoradouro e, já em postos de faina, foi largar ferro , poucos minutos depois, em fundo de boa tença, ao abrigo possível da vaga morta de largo.


A. M. Esparteiro





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